Este material foi adaptado pelo laboratório de acessibilidade da
universidade federal do rio grande do norte, em conformidade com a lei 9.610 de
19/02/1998, capítulo IV, artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins
educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido,
modificado e utilizado com fins comerciais.
Revisado por: Sarah Cristina
Natal, agosto de 2018.
COELHO, Fábio Ulhoa. Teoria geral do direito societário.
In:______. Novo manual de direito
comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2017. cap. 9, p. 134 a 151.
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TEORIA GERAL DO DIREITO SOCIETÁRIO
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1.
CONCEITO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA
Na
construção do conceito de sociedade empresária, dois institutos jurídicos
servem de alicerces. De um lado, a pessoa jurídica; de outro, a atividade
empresarial. Uma primeira aproximação ao conteúdo deste conceito se faz pela
ideia de pessoa jurídica empresária, ou seja, que exerce atividade econômica
sob a forma de empresa. É uma ideia correta, mas incompleta ainda. Somente
algumas espécies de pessoa jurídica que exploram atividade definida pelo
direito como de natureza empresarial é que podem ser conceituadas como
sociedades empresárias. Além disso, há pessoas jurídicas que são sempre empresárias,
qualquer que seja o seu objeto. Um ponto de partida, assim, para a conceituação
de sociedade empresária é o da sua localização no quadro geral das pessoas
jurídicas.
No
direito brasileiro, as pessoas jurídicas são divididas em dois grandes grupos.
De um lado, as pessoas jurídicas de direito público, tais a União, os Estados,
os Municípios, o Distrito Federal, os Territórios e as autarquias; de outro, as
de direito privado, compreendendo todas as demais. O que diferencia um de outro
grupo é o regime jurídico a que se submetem. As pessoas jurídicas de direito
público gozam de uma posição jurídica diferenciada em razão da supremacia dos
interesses que o direito encarregou-as de tutelar; já as de direito privado
estão sujeitas a um regime jurídico caracterizado pela igualdade, inexistindo
valoração diferenciada dos interesses defendidos por elas. Uma pessoa jurídica
de direito público se relaciona com uma pessoa jurídica de direito privado em
posição privilegiada, ao passo que as de direito privado se relacionam entre si
em pé de igualdade. É irrelevante, para se determinar o enquadramento de uma
pessoa jurídica num ou noutro destes grupos, a origem dos recursos destinados à
sua constituição. Isto porque o direito contempla pessoas jurídicas constituídas,
exclusivamente, por recursos públicos, mas que se encontram, por determinação
constitucional, sujeitas ao regime de direito privado, que são as empresas
públicas.
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Por
essa ideia, inclusive, introduz-se a subdivisão existente no grupo das pessoas
jurídicas de direito privado. De um lado, as chamadas estatais, cujo capital
social é formado, majoritária ou totalmente, por recursos provenientes; do
poder público, que compreende a sociedade de economia mista, da qual
particulares também participam, embora minoritariamente, e a já lembrada
empresa pública. De outro lado, as pessoas jurídicas de direito privado não,
estatais, que compreendem a fundação, a associação e as sociedades. As
sociedades, por sua vez, se distinguem da associação e da fundação em virtude
de seu escopo negociai, e se subdividem em sociedades simples e empresárias.
A
distinção entre sociedade simples e empresária não reside, como se poderia
pensar, no intuito lucrativo. Embora seja da essência de qualquer sociedade
empresária a persecução de lucros - inexiste pessoa jurídica dessa categoria
com fins filantrópicos ou pios-, este é um critério insuficiente para
destacá-la da sociedade simples. Isto porque também há sociedades não
empresárias com escopo lucrativo, como as sociedades de advogados por exemplo.
O
que irá, de verdade, caracterizar a pessoa jurídica de direito privado não
estatal como sociedade simples ou empresária será o modo de explorar seu
objeto. O objeto social explorado sem empresarialidade
(isto é, sem organização profissional dos fatores de produção) confere à
sociedade o caráter de simples; enquanto a exploração empresarial do objeto
social caracterizará a sociedade como empresária (Cap. 1).
Por
critério de identificação da sociedade empresária elegeu, pois, o direito o
modo de exploração do objeto social. Esse critério material, que dá relevo à
maneira de se desenvolver a atividade efetivamente exercida pela sociedade, na
definição de sua natureza empresarial, é apenas excepcionado em relação às
sociedades por ações. Estas serão sempre empresárias, ainda que o seu objeto
não seja empresarialmente explorado (CC, art. 982,
parágrafo único; LSA, art. 2.°, § l.°). De outro lado, as cooperativas nunca
serão empresárias, mas necessariamente sociedades simples, independentemente de
qualquer outra característica que as cerque (CC, art.
982, parágrafo único). Salvo nestas hipóteses - sociedade anônima, em comandita
por ações ou cooperativas -, o enquadramento de uma sociedade no regime
jurídico empresarial dependerá, exclusivamente, da forma com que explora seu
objeto. Uma sociedade limitada, em decorrência, poderá ser empresária ou
simples: se for exercente de atividade econômica
organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, será empresária;
caso contrário ou se dedicando a atividade econômica civil (sociedade de
profissionais intelectuais), será simples.
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Assentadas
estas premissas, a sociedade empresária pode ser conceituada como a pessoa
jurídica de direito privado não estatal, que explora empresarialmente seu
objeto social ou adota a forma de sociedade por ações.
2. PERSONALIZAÇÃO DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA.
A
pessoa jurídica não se confunde com as pessoas que a compõem. Este princípio,
de suma importância para o regime das pessoas jurídicas, também se aplica à
sociedade empresária. Tem ela personalidade jurídica distinta da de seus
sócios; são pessoas inconfundíveis, independentes entre si. A sociedade é uma
pessoa (jurídica) e os sócios são outras pessoas (naturais ou jurídicas).
Pessoa
jurídica é um expediente do direito destinado a simplificar a disciplina de
determinadas relações entre os homens em sociedade. Ela não tem existência fora
do direito, ou seja, para além dos conceitos partilhados pelos integrantes da
comunidade jurídica. Tal expediente tem o sentido, bastante preciso, de
autorizar determinados sujeitos de direito à prática de atos jurídicos em
geral.
Explique-se:
sujeito de direito e pessoa não são conceitos sinônimos. Antes, sujeito de
direito é gênero do qual pessoa é espécie. Todos os centros subjetivos de
referência de direito ou obrigações, vale dizer, tudo aquilo que a ordem
jurídica reputa apto a ser credor ou devedor de prestações é chamado de
“sujeito de direito”. Ora, isto inclui determinadas entidades que não são consideradas
pessoas, como a massa falida, o condomínio horizontal, o nascituro, o espólio
etc. Estas entidades, despersonalizadas compõem,
juntamente comas pessoas, o universo dos sujeitos de direito.
O
que distingue o sujeito de direito despersonalizado do personalizado é o regime
jurídico a que ele está submetido, em termos de autorização genérica para a
prática dos atos jurídicos. Enquanto as pessoas estão autorizadas a praticar
todos os atos jurídicos a que não estejam expressamente proibidas, os sujeitos
de direito despersonalizados só poderão praticar os atos a que estejam,
explicitamente, autorizados pelo direito.
Assim,
a uma indagação do tipo “tal sujeito pode praticar tal ato jurídico?” deve-se
responder partindo da definição da natureza personalizada ou despersonalizada
do sujeito. No primeiro caso, a resposta será afirmativa se inexistir
proibição; no segundo caso, será afirmativa se existir uma permissão explícita.
Por exemplo: qualquer pessoa capaz pode exercer empresa, desde que não esteja proibida;
já o nascituro, o condomínio horizontal, a massa falida, os sujeitos de direito
despersonalizados em geral não poderão exercer atividade empresarial (mesmo
inexistente proibição que os alcance) por faltar, no
ordenamento jurídico em vigor, norma permissiva expressa.
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Essas
definições acerca do regime jurídico dos sujeitos de direito personalizados e
despersonalizados convivem com três exceções: os atos jurídicos típicos da
pessoa natural, como o casamento ou a adoção, não podem ser praticados pela
pessoa jurídica, mesmo se, eventualmente, o ordenamento jurídico deixar de
prever vedação expressa neste sentido; os atos jurídicos da essência dos sujeitos
de direito despersonalizados podem ser por estes praticados, mesmo se
eventualmente o ordenamento deixar de autorizá-los de modo expresso, como no
caso da celebração de contrato de trabalho pelo condomínio horizontal;
finalmente, o Estado, embora seja pessoa jurídica, depende de autorização
expressa do direito para praticar, validamente, negócio jurídico, em virtude do
sentido específico que assume o princípio da legalidade no direito público.
De
qualquer forma, a sociedade empresária, como uma pessoa jurídica, é sujeito de
direito personalizado, e poderá, por isso, praticar todo e qualquer ato ou
negócio jurídico em relação ao qual inexista proibição expressa.
Importante
ressaltar, aqui, que a Eireli (empresa individual de
responsabilidade limitada) é também uma pessoa jurídica - a rigor, trata-se da
designação dada, pela lei brasileira, à sociedade limitada unipessoal. Assim
sendo, o seu único sócio também não se confunde com a Eireli.
São sujeitos de direito distintos. A unipessoalidade
da pessoa jurídica não a descaracteriza como sujeito de direito personalizado.
Não há, quanto a este aspecto, absolutamente nenhuma diferença entre a Eireli e qualquer sociedade pluripessoal,
sendo uma e outra pessoas jurídicas inconfundíveis com
os sócios que a compõem.
A
personalização das sociedades empresariais gera três consequências bastante
precisas, a saber:
a) Titularidade negociai - quando a
sociedade empresária realiza negócios jurídicos (compra matéria-prima, celebra
contrato de trabalho, aceita uma duplicata etc.), embora ela o faça
necessariamente pelas mãos de seu representante legal (Pontes de Miranda diria
“presentante legal”, por não ser a sociedade
incapaz), é ela, pessoa jurídica, como sujeito de direito autônomo,
personalizado, que assume um dos polos da relação negociai. O eventual sócio
que a representou não é parte do negócio jurídico, mas sim a sociedade.
b) Titularidade processual - a pessoa
jurídica pode demandar e ser demandada em juízo; tem capacidade para ser parte
processual. A ação referente a negócio da sociedade deve ser endereçada contra
a pessoa jurídica e não os seus sócios ou seu representante legal. Quem outorga
mandato judicial, recebe citação, recorre, é ela como sujeito de direito
autônomo.
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c) Responsabilidade patrimonial-em
consequência, ainda, de sua personalização, a sociedade terá patrimônio
próprio, seu, inconfundível e incomunicável com o patrimônio individual de cada
um de seus sócios. Sujeito de direito personalizado autônomo, a pessoa jurídica
responderá com o seu patrimônio pelas obrigações que assumir. Os sócios, em
regra, não responderão pelas obrigações da sociedade. Somente em hipóteses
excepcionais, que serão examinadas a seu tempo, poderá
ser responsabilizado o sócio pelas obrigações da sociedade.
O
fim da personalização da sociedade empresária resulta de todo um processo de
extinção, também conhecido por dissolução em sentido largo (ou
dissolução-procedimento), o qual compreende as seguintes fases: a) dissolução,
em sentido estrito (ou dissolução-ato), que é o ato de desfazimento da
constituição da sociedade; b) liquidação, que visa à realização do ativo e
pagamento do passivo da sociedade; c) partilha, pela
qual os sócios participam do acervo da sociedade. Há quem pretenda a existência
de uma quarta fase de extinção, consistente no decurso do prazo de prescrição
de todas as obrigações sociais (Fran Martins). Por outro lado, há diversos
modos de se extinguir a personalidade jurídica da sociedade, além da
dissolução; por exemplo: a incorporação em outra, a fusão, a cisão total e a
falência. De qualquer forma, relegando o tratamento mais demorado deste tema
para o momento oportuno, registre-se, aqui, que a personalidade jurídica da
sociedade empresária não se extingue em virtude de um ato ou fato singular, mas
somente após a conclusão de todo um processo, judicial ou extrajudicial.
3. CLASSIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS
Classificam-se
as sociedades empresárias segundo diversos critérios. Cuidarei de cinco deles.
Primeiramente, a classificação das sociedades de acordo com a responsabilidade
dos sócios pelas obrigações sociais; em seguida, a classificação quanto ao
regime de constituição e dissolução; na sequência, a classificação quanto às
condições para alienação da participação societária; depois, a relativa ao
número de sócios; e, por fim, a classificação baseada na nacionalidade.
Antes
de examinar cada um destes critérios, no entanto, faz-se necessário apresentar
a enumeração dos tipos societários existentes no direito comercial. São eles: a
sociedade em nome coletivo (N/C), a sociedade em comandita simples (C/S), a
sociedade em comandita por ações (C/A), a sociedade em conta NOVO MANUAL DE
DIREITO COMERCIAI de participação (C/P), a sociedade limitada (Ltda.) e a
sociedade anônima ou companhia (S/A).
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Desses
seis tipos societários, deve-se destacar a sociedade em conta de participação,
que a lei define como despersonalizada (CC, arts. 991 a 996). Dela se cuidará em momento
próprio. Por ora, melhor desconsiderá-la, por motivos didáticos, na
classificação das demais sociedades empresárias.
3.1. Classificação quanto à responsabilidade dos
sócios pelas obrigações sociais
Em
razão do princípio da autonomia patrimonial, ou seja, da personalização da
sociedade empresária, os sócios não respondem, em regra, pelas obrigações
desta. Se a pessoa jurídica é solvente, quer dizer, possui bens em seu
patrimônio suficientes para o integral cumprimento de todas as suas obrigações,
o ativo do patrimônio particular de cada sócio é, absolutamente, inatingível
por dívida social. Mesmo em caso de falência, somente após o completo
exaurimento do capital social é que se poderá cogitar de alguma
responsabilidade por parte dos sócios, ainda assim condicionada a uma série de
fatores.
A
responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade empresária é sempre
subsidiária, porque é legalmente assegurado aos sócios o direito de exigirem o
prévio exaurimento do ativo do patrimônio social (CC, art. 1.024; CPC, art.
795, § 1.°), Quando a lei qualifica de “solidária” a
responsabilidade de sócios ao delimitar a dos membros da N/C (CC, art. 1.039)
dos comanditados da C/S (art. 1.045), dos diretores da CJA (art. 1.091) ou dos
da limitada em relação à integralização do capital social (art. 1.052) ela se
refere às relações entre eles; quer dizer, se um sócio descumpre sua obrigação,
esta pode ser exigida dos demais, se solidários.
Quando
se diz, portanto, que a responsabilidade do sócio pelas obrigações da sociedade
é subsidiária, o que se tem em mira é, justamente, esta regra de que sua
eventual responsabilização por dívidas sociais tem por pressuposto o integral
comprometimento do ativo do patrimônio social. É subsidiária no sentido de que
se segue à responsabilidade da própria sociedade. Esgotadas as forças do
patrimônio social é que se poderá pensar em executar bens do patrimônio
particular do sócio por saldos existentes no passivo da sociedade.
O
direito brasileiro da atualidade não conhece nenhuma hipótese de limitação de
responsabilidade pessoal. Assim, quando a sociedade estiver respondendo por
obrigação sua, terá responsabilidade ilimitada; também o sócio, quando
responder por ato seu, ainda que relacionado com a sociedade, terá
responsabilidade ilimitada.
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Somente
se concebe, no presente estágio evolutivo do direito
nacional, a limitação da responsabilidade subsidiária. Os sócios respondem,
assim, pelas obrigações sociais, sempre de modo subsidiário, mas limitada ou
ilimitadamente. Note-se que também na Empresa Individual de Responsabilidade
Limitada (EIRELI), essa pessoa jurídica tem responsabilidade ilimitada por suas
próprias obrigações, sendo limitada a de seu instituidor quando chamado a
responder por estas.
Se
o ativo do patrimônio social não foi suficiente para integral pagamento dos
credores da sociedade, o saldo do passivo poderá ser reclamado dos sócios, em
algumas sociedades, de forma ilimitada (ou seja, os credores poderão saciar
seus créditos até a total satisfação, enquanto suportarem os bens dos
patrimônios particulares dos sócios). Em outras sociedades, os credores somente
poderão alcançar dos bens dos patrimônios particulares dos sócios um
determinado limite, além do qual o respectivo saldo será perda que deverão
suportar. Há, ainda, um terceiro grupo de sociedades, em que alguns dos sócios
têm responsabilidade ilimitada e outros limitada. A
classificação que se verá a seguir tenta sintetizar este quadro.
As
sociedades empresárias, portanto, segundo o critério que considera a
responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, dividem-se em:
a) Sociedade ilimitada – em que todos os
sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais. O direito contempla
um só tipo de sociedade desta categoria, que é a sociedade em nome coletivo
(N/C).
b) Sociedade mista – em que uma parte dos
sócios tem responsabilidade ilimitada e outra parte tem responsabilidade
limitada. São desta categoria as seguintes sociedades: em comandita simples
(C/S), cujo sócio comanditado responde ilimitadamente pelas obrigações sociais,
enquanto o sócio comanditário responde limitadamente ;
e a sociedade em comandita por ações (C/A), em que os sócios diretores têm responsabilidade
ilimitada pelas obrigações sociais e os demais acionistas respondem
limitadamente.
c) Sociedade limitada - em que todos os
sócios respondem de forma limitada pelas obrigações sociais. São desta
categoria a sociedade limitada (Ltda.) e a anônima (S/A).
Variam
de um tipo societário para outro as regras de determinação do limite da
responsabilidade dos sócios. Têm-se regras próprias para a sociedade limitada e
para o sócio comanditário da sociedade em comandita simples, de um lado, e para
a sociedade anônima e acionista não diretor da sociedade em comandita por
ações, de outro lado. Em relação às duas primeiras hipóteses, os sócios
respondem até o limite do total do capital social não integralizado; em relação
às duas últimas, o acionista responderá até o limite do valor não integralizado
da parte do capital social que ele subscreveu.
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Ao
ingressar numa sociedade empresária, qualquer que seja ela, o sócio deve
contribuir para o capital social. Se a sociedade está em constituição ou se houve
aumento do capital social com novas participações, o ingressante subscreve uma
parte. Ou seja, ele se compromete a pagar uma quantia determinada para a
sociedade, contribuindo, assim, com o capital social e legitimando a sua
pretensão à percepção de parcela dos lucros gerados pelos negócios sociais.
Poderá fazê-lo à vista ou a prazo. Na medida em que for pagando o que ele se
comprometeu a pagar, na subscrição, à sociedade, diz-se que ele está integralizando
a sua participação societária. Quando todos os sócios já cumpriram as
respectivas obrigações de contribuir para a formação da sociedade, o capital
social estará totalmente integralizado.
O
sócio da sociedade limitada e o comanditário da sociedade em comandita simples
respondem pelas obrigações sociais até o total do capital social não
integralizado, ou seja, até o limite do valor do que ainda não foi
integralizado no capital social da sociedade. Mesmo que um sócio já tenha
integralizado, totalmente, a sua parte, se outro ainda não fez o mesmo com a
parcela que lhe caberia, o primeiro poderá ser responsabilizado pelas
obrigações sociais dentro do limite do valor que o seu sócio ainda não
integralizou. É claro, poderá, posteriormente, em regresso, ressarcir-se do
sócio inadimplente, mas responderá perante a massa dos credores da sociedade
pelo total do capital não integralizado.
Já
os acionistas da sociedade anônima, ou os da comandita por ações com
responsabilidade limitada, respondem somente por aquilo que subscreveram e
ainda não integralizaram. Estas hipóteses diferenciam-se das duas primeiras,
posto que o acionista nunca poderá ser
responsabilizado pela não integralização da participação societária devida por
outro acionista.
Anote-se
que o limite da responsabilidade subsidiária dos sócios pode ser “zero”. Vale
dizer, se todo o capital social já estiver integralizado, os credores da
sociedade não poderão alcançar o ativo do patrimônio particular de qualquer
sócio com responsabilidade limitada. Deverão, em decorrência, suportar o
prejuízo.
É
oportuno frisar, também, que as regras de definição do limite da
responsabilidade subsidiária dos sócios de responsabilidade limitada são
apresentadas pela lei com expressões e conceitos diversos, dos quais se cuidará
no momento oportuno. Trata se, aqui, apenas de uma forma diferente de explicar
as relações jurídicas, sem mudança de conteúdo, indispensável à sistematização
da matéria; sem a adoção de termos mais genéricos que os dos dispositivos
legais aplicáveis a cada sócio de responsabilidade limitada, não se poderia
chegar a categorias abrangentes dos diferentes tipos societários envolvidos com
a questão.
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3.2. Classificação quanto ao regime de
constituição e dissolução
Um
determinado conjunto de tipos societários tem a sua constituição e dissolução
disciplinadas pelo Código Civil; outro grupo de tipos societários rege-se,
neste assunto, pelas normas da Lei 6.404/76 (Lei das sociedades por ações -
LSA). Cada um desses grupos, assim, está relacionado a um regime constitutivo e
dissolutivo específico.
Segundo
esse critério, têm-se:
a) Sociedades contratuais - cujo ato
constitutivo e regulamentar é o contrato social. Para a dissolução deste tipo
de sociedade não basta a vontade majoritária dos
sócios, reconhecendo a jurisprudência o direito de os sócios, mesmo
minoritários, manterem a sociedade, contra a vontade da maioria; além disto, há
causas específicas de dissolução desta categoria de sociedades, como a morte ou
a expulsão de sócio. São sociedades contratuais: em nome coletivo (N/C), em
comandita simples (C/S) e limitada (Ltda.).
b) Sociedades institucionais - cujo ato
regulamentar é o estatuto social. Estas sociedades podem ser dissolvidas por
vontade da maioria societária e há causas dissolutórias
que lhes são exclusivas como a intervenção e liquidação extrajudicial. São
institucionais a sociedade anônima (S/A) e a sociedade em comandita por ações
(C/A).
A
sociedade contratual, pois, tem sua constituição e dissolução regidas pelo
Código Civil, ao passo que a sociedade institucional rege-se, neste ponto,
pelas normas específicas da LSA. Quando se fizer o estudo mais detido da
constituição e dissolução de uma e outra categoria de sociedades, serão
elucidadas as características próprias de cada categoria.
3.3. Classificação quanto às condições de alienação
da participação societária
Há
sociedades em que os atributos individuais do sócio interferem com a realização
do objeto social e há sociedades em que não ocorre esta interferência. Em
algumas, a circunstância de ser o sócio competente, honesto ou diligente tem
relevância para o sucesso ou fracasso da empresa, ao passo que, em outras, tais
características subjetivas decididamente não influem na realização d objeto
social.
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No
primeiro caso, quando as particularidades individuais dos sócios podem
comprometer o desenvolvimento da empresa a que se dedica a sociedade os
integrantes desta devem ter garantias acerca do perfil de quem pretende fazer
parte do quadro de sócios. No segundo caso, o direito pode - e, até certo
ponto, deve - descuidar-se disto, posto que o perfil do eventual novo sócio não
repercutirá no sucesso ou fracasso do empreendimento.
Justamente
em função dessa realidade é que o direito comercial criou um grupo de
sociedades em que a alienação da participação societária por um dos sócios a
terceiro estranho à sociedade, depende da anuência dos demais sócios; e outro
grupo em que esse negócio jurídico independe da mencionada anuência.
A
participação societária de uma sociedade contratual é denominada “cota”; (que
se pode grafar também “quota”); a de uma sociedade institucional é denominada
“ação”. Uma ou outra são bens do patrimônio do sócio (ou acionista), não
pertencem à sociedade. Desse modo, o seu titular, o sócio, pode dispor
livremente da participação societária, tal como dispõe dos demais bens de seu
patrimônio. O adquirente de cota ou ação torna-se sócio da sociedade e passa; a
exercer os direitos que esta condição lhe confere. Naquelas sociedades em que
as características subjetivas dos sócios podem comprometer o sucesso da empresa
levada a cabo pela sociedade, garante-se o direito de veto ao ingresso de
terceiro estranho ao quadro de sócios. Desta forma, a alienação da participação
societária condiciona-se à anuência dos demais, quando se tratar de adquirente
não sócio. Já naquelas sociedades, em que os atributos subjetivos de cada sócio
não influem na realização do objeto social, a circulação da participação
societária é livre, incondicionada à concordância dos demais sócios.
Em
vista desse quadro, dividem-se as sociedades nas seguintes categorias:
a) Sociedades de pessoas - em que os sócios
têm direito de vetar o ingresso de estranho ao quadro de sócios.
b) Sociedades de capital - em relação às
quais vige o princípio da livre circulabilidade da
participação societária.
É
claro que não existe sociedade composta exclusivamente por “pessoas” ou
exclusivamente por “capital”. Toda sociedade surge da necessária conjugação
desses dois elementos imprescindíveis. O que faz uma sociedade ser “de pessoas”
ou “de capital” é, na verdade, o direito de o sócio impedir o ingresso de
terceiro não sócio existente nas de perfil personalístico
e ausente nas de perfil capitalístico. Em outros termos, em algumas sociedades,
as “pessoas” são mais importantes que o “capital”; em outras, ocorre o inverso.
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Em
função disto, justamente, é que as cotas sociais representativas do capital
social de uma sociedade “de pessoas” são impenhoráveis por dívidas particulares
do seu titular. O direito de veto ao ingresso de terceiros estranhos à sociedade
é incompatível com a penhorabilidade das cotas sociais. O arrematante da cota
na execução judicial contra o seu titular ingressaria no quadro de sócios
independentemente da vontade dos demais.
Outra
consequência específica da sociedade “de pessoas” é a dissolução parcial por
morte de sócio, quando um dos sobreviventes não concorda com o ingresso de
sucessor do sócio falecido no quadro de sócios. Quando a sociedade é “de
capital”, os sócios sobreviventes não podem opor-se a tal ingresso e a sociedade
não se dissolve.
As
sociedades institucionais são sempre “de capital”, enquanto as contratuais
podem ser “de pessoas” ou “de capital”. Assim, na sociedade anônima (S/A) e em
comandita por ações (C/A), os acionistas não têm o direito de impedir o ingresso
de terceiro não sócio na sociedade, assegurado o princípio da livre-circulação
das ações (LSA, art. 36). Nestes tipos de sociedades, as ações são sempre
penhoráveis por dívida de sócio e a morte não permite a dissolução parcial,
seja a pedido dos sobreviventes ou dos sucessores.
Nas
sociedades em nome coletivo (N/C) e comandita simples (C/S), a cessão das
quotas sociais depende da anuência dos demais sócios (CC, art. 1.003), regra
que lhes confere perfil personalístico. Suas quotas
sociais são, em decorrência, impenhoráveis. Em relação às consequências da
morte de sócio, a sociedade em nome coletivo é “de pessoas”, mas o contrato
social poderá atribuir-lhe perfil diverso se assegurar aos sucessores o
ingresso na sociedade (art. 1.028,1); e a sociedade em comandita simples
ostenta natureza diversa segundo a espécie de sócio falecido: é “de pessoas”,
em caso de morte de comanditado, e “de capital”, se falecido um comanditário -
sendo que, neste último caso, o contrato social pode alterar a natureza da C/S,
prevendo a liquidação das quotas (art. 1.030).
Na
sociedade limitada (Ltda.), o contrato social definirá a existência, ou não, e
extensão do direito de veto ao ingresso de novos sócios. Poderá, também, dispor
sobre as consequências do falecimento de sócio. Pode, portanto, o contrato
social atribuir-lhe a natureza personalística ou capitalísüca. Caso seja omisso, a cessão de quotas a
terceiros estranhos à sociedade pode ser obstada por sócio ou
sócios com mais de um quarto do capital social (CC, art. 1.057).
Consequentemente, a sociedade limitada é “de pessoas”, a menos que o contrate
social lhe confira natureza capitalista.
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3.4. Classificação quanto à quantidade de sócios
Segundo
o critério da quantidade de sócios, as sociedades empresárias podem ser pluripessoais ou unipessoais. No primeiro caso, possuem
dois ou mais sócios, que unem seus esforços para a realização da finalidade
comum, de ganhar dinheiro mediante a exploração de uma atividade empresarial.
Já as sociedades unipessoais são constituídas por um único sócio.
Apenas
em duas hipóteses o direito brasileiro admite as sociedades unipessoais.
A
primeira é a subsidiária integral. Trata-se de uma sociedade necessariamente do
tipo “anônima”, constituída por escritura pública, por uma sociedade brasileira
(LSA, art. 251). A pessoa natural e a sociedade estrangeira não podem constituir
subsidiária integral.
A
outra hipótese de sociedade unipessoal do direito brasileiro é a Eireli (empresa individual de responsabilidade limitada).
Trata-se aqui de uma sociedade do tipo “limitada”, sujeita a regras próprias
atinentes à composição do nome empresarial e forma de constituição (CC, art. 980-A e seus parágrafos). A Eireli
pode ser constituída por qualquer pessoa natural ou jurídica.
Para
fins didáticos, convém estudar os temas de direito societário focando-se,
inicialmente, as sociedades pluripessoais como modelo
geral; e reservando-se, no final, atenção específica ao estudo das unipessoais
(Cap. 13, item 8).
3.5. Classificação quanto à nacionalidade
Outro
critério de classificação das sociedades empresárias tem em vista a sua
nacionalidade.
Considera-se
nacional a sociedade constituída de acordo coma legislação brasileira e com
sede de administração localizada no Brasil (CC, art. 1.126), sendo irrelevante
a nacionalidade do capital ou mesmo a dos acionistas. A sociedade empresária
organizada de acordo com legislação alienígena, ou com sede no exterior, é
considerada, portanto, estrangeira, submetendo-se, em decorrência, a controle
governamental específico (necessidade de autorização para funcionar no país,
possibilidade de cassação da autorização etc.).
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4. SOCIEDADE
IRREGULAR
Assim
como ocorre com o empresário individual, a sociedade empresária deve ser
registrada na Junta Comercial. O seu ato constitutivo (contrato social ou
estatuto) é que será objeto de registro, devendo este ser anterior ao início
das atividades.
A
sociedade sem registro é chamada, na doutrina, de sociedade irregular, ou “de
fato”. Alguns autores adotam a proposta de Waldemar Ferreira no sentido de se
considerar irregular a sociedade que tenha ato constitutivo escrito, embora não
registrado, e “de fato” a sociedade que sequer ato constitutivo escrito possui.
Mas, a rigor, a distinção nem sempre se justifica; ambos os tipos de
sociedades, com ou sem ato constitutivo escrito, estão sujeitos ao mesmo regime
jurídico decorrente da inexistência do registro. A distinção somente ganha
relevância na discussão sobre o cabimento de ação entre sócios para declarar a
existência da sociedade. Esta ação judicial somente pode ser proposta se, desde
logo, quem a promove (alegando a qualidade de sócio) exibir o contrato social
ou outro documento escrito, ainda que não registrado (CC,
art. 987). Em outros termos, aquele que integra sociedade “de fato” não
tem ação para o reconhecimento do vínculo societário; mas o que integra uma
sociedade irregular teria.
No
Código Civil, a sociedade empresária irregular ou “de fato” é disciplinada sob
a designação de “sociedade em comum”. Não se trata de novo tipo societário, mas
de uma situação em que a sociedade empresária ou simples pode eventualmente se
encontrar: a de irregularidade caracterizada pela exploração de atividade
econômica sem o prévio registro exigido na lei.
Além
das restrições comuns ao empresário individual irregular - vale dizer:
ilegitimidade ativa para o pedido de falência e de recuperação judicial e
ineficácia probatória dos livros comerciais-, o direito reserva uma sanção
específica para a sociedade empresária que opera sem registro na Junta
Comercial. Os sócios da sociedade sem registro responderão sempre
ilimitadamente pelas obrigações sociais, sendo ineficaz eventual cláusula
limitativa desta responsabilidade no contrato social (CC,
art. 990). Os sócios que se apresentaram como representantes da
sociedade terão responsabilidade direta e os demais, subsidiária; mas todos
assumem responsabilidade sem limite pelas obrigações contraídas em nome da
sociedade.
Deve-se recuperar, aqui, os efeitos decorrentes do exercício
irregular da empresa, os quais também são pertinentes às sociedades
empresárias. A falta de registro da sociedade na Junta Comercial repercute
negativamente nas obrigações tributárias acessórias, nas obrigações perante a
Seguridade Social nas relações com o Poder Público (Cap. 3, item 5).
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5. DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA.
A
autonomia patrimonial da pessoa jurídica - princípio jurídico que 9 distingue de seus integrantes como sujeito autônomo de
direito e obrigações - pode dar ensejo à realização de fraudes.
Se
uma pessoa natural se vincula contratualmente a outra, por obrigação de não
fazer e, na qualidade de representante legal de sociedade empresária, faz
exatamente aquilo que se havia comprometido omitir, no rigor do princípio da
autonomia da pessoa jurídica, não teria havido quebra do contrato. Quem fez foi
a sociedade, e não a pessoa natural que agiu em nome
dela. Assim também ocorreria se empresário individual vendesse, a prazo, o seu
estabelecimento empresarial a sociedade de que detivesse 90% do capital,
instituindo-se sobre ele garantia de direito real em seu próprio favor. Em
ocorrendo a falência da sociedade, o seu sócio majoritário, por ser credor
preferencial, seria pago anteriormente aos quirografários. Aquele que, no
insucesso do negócio, deveria ser considerado devedor (o empresário individual
antigo titular do estabelecimento) assume a condição de credor privilegiado,
com direto prejuízo ao atendimento dos demais.
Como
se vê destes exemplos, por vezes a autonomia patrimonial da sociedade
empresária dá margem à realização de fraudes. Para coibi-las, a doutrina criou,
a partir de decisões jurisprudenciais (nos EUA, Inglaterra e Alemanha,
principalmente) a “teoria da desconsideração da pessoa jurídica”, pela qual se
autoriza o Poder Judiciário a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa
jurídica, sempre que ela tiver sido utilizada como expediente para a realização
de fraude. Ignorando a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar-se,
direta, pessoal e ilimitadamente, o sócio por obrigação que originariamente
cabia à sociedade.
Pressuposto
inafastável da desconsideração da pessoa jurídica, no
entanto, é a ocorrência da fraude por meio da separação patrimonial. Não basta
qualquer fraude, mas exige-se especificamente a manipulação da autonomia
patrimonial. Tampouco é suficiente a simples insolvência da pessoa jurídica,
hipótese em que, não tendo havido fraude na utilização da separação
patrimonial, as regras de limitação da responsabilidade dos sócios devem ter
ampla vigência.
A
desconsideração é instrumento de coibição do mau uso da pessoa jurídica;
pressupõe, portanto, o mau uso. O credor da sociedade que pretende a sua
desconsideração deverá fazer prova da fraude perpetrada na manipulação da
autonomia patrimonial, caso contrário suportará o dano da insolvência da
devedora.
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Se
a autonomia patrimonial não foi utilizada indevidamente, não há fundamento para
a sua desconsideração.
A
desconsideração da pessoa jurídica não atinge a validade do ato constitutivo,
mas importa em sua ineficácia episódica. Uma sociedade que tenha a autonomia
patrimonial desconsiderada continua válida, assim como válidos são todos os
demais atos que praticou. A separação patrimonial em relação aos seus sócios é
que não produzirá nenhum efeito na decisão judicial referente àquele específico
ato objeto da fraude. Essa é, inclusive, a grande vantagem da desconsideração
em relação a outros mecanismos de coibição da fraude, tais como a anulação ou
dissolução da sociedade. Por apenas suspender a eficácia do ato constitutivo,
no episódio sobre o qual recai o julgamento, sem invalidá-lo, a teoria da
desconsideração preserva a empresa, que não será necessariamente atingida por
ato fraudulento de um de seus sócios, resguardando-se, dessa forma, os demais interesses
que gravitam ao seu redor, como o dos empregados, dos demais sócios, da
comunidade etc.
O
pressuposto da desconsideração, já se viu, é a ocorrência de fraude perpetrada
com o uso da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Esta, que é a formulação
mais corrente da teoria, dá, pois, relevo à presença de elemento subjetivo.
Fábio Konder Comparato propôs uma formulação diversa,
em que os pressupostos da desconsideração da autonomia da sociedade são
objetivos, como a confusão patrimonial ou o desaparecimento do objeto social.
Por essa razão, é possível chamar a primeira de concepção subjetivista e esta
última de concepção objetivista da teoria da desconsideração
da pessoa jurídica.
Na
lei, a desconsideração da personalidade jurídica é mencionada nos arts. 28 do CDC, 34 da Lei Antitruste (LIOE), 4.° da legislação protetora do meio ambiente (Lei9.605/98) e
50 do CC (dispositivo, aliás, inspirado na formulação objetivista
de Comparato).
6. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA LIMITAÇÃO
DA RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS.
A
limitação da responsabilidade dos sócios, pelas obrigações sociais, nas
sociedades limitadas, não pode ser entendida como uma ampla autorização para a
irresponsabilidade. O sócio não pode se beneficiar da regra da limitação se
incorreu em fraude, ilicitude ou qualquer irregularidade.
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A
regra que limita a responsabilidade dos sócios se destina a proteger
investimentos feitos de modo plenamente regular e lícito. Se a autonomia
patrimonial da pessoa jurídica da sociedade limitada ou anônima tiver sido
fraudulentamente empregada pelo sócio, a regra da limitação da responsabilidade
não terá aplicação. Caberá, como visto acima, a desconsideração da
personalidade jurídica da sociedade, para imputação da obrigação diretamente ao
sócio que incorreu na ilicitude.
É
importante, contudo, reforçar que a desconsideração da personalidade, jurídica
da sociedade empresária é uma exceção. A regra é a autonomia patrimonial e, nas
sociedades limitadas e anônimas, a limitação da responsabilidade subsidiária
dos sócios e acionistas. Deste modo, a menos que haja prova inequívoca de
ilicitude envolvendo a autonomia patrimonial da sociedade empresária, se esta é
limitada ou anônima, o sócio tem o direito de responder pelas obrigações
sociais dentro do limite legal. E, se esse limite legal estiver exaurido, ele
tem o direito de não pagar nada da obrigação deixada pela sociedade. Quem
suporta a perda, nesse caso, é o credor da pessoa jurídica.
A
autonomia patrimonial das sociedades limitadas e anônimas e a limitação da
responsabilidade dos sócios são conceitos centenários, mas, ultimamente, têm
despertado alguma preocupação entre os pouco familiarizados com o direito
societário. Tais conceitos têm sido indevidamente questionados, como se a perda
suportada pelo credor fosse uma situação juridicamente inadmissível.
Na
verdade, a regra da limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações
sociais tem fundamento constitucional, enraizada no princípio da liberdade de
iniciativa, que é essencial para o adequado funcionamento da economia de
mercado. E é instituída em benefício de todos, e não somente dos investidores.
As
atividades empresariais estão inevitavelmente expostas a risco. Os sócios da
sociedade empresária podem perder tudo o que investiram, mesmo que tenham
adotado com o máximo rigor todas as cautelas cabíveis e se conduzido sempre
estritamente como manda a lei. O insucesso terá, então, apenas razões de ordem
econômica, absolutamente fora do controle deles. O risco empresarial é
impossível de se neutralizar, ou até mesmo mitigar, e está sempre presente em
qualquer investimento.
Como,
então, diante do risco inerente a qualquer atividade empresarial, motivar os
particulares a organizarem as empresas que, no sistema capitalista, representam
o meio de satisfação das necessidades e querências de todo mundo? O instrumento
jurídico para estimular os particulares a tomarem a iniciativa da produção ou
circulação de bens ou serviços é a limitação da responsabilidade dos sócios
pelas obrigações sociais, nos tipos societários limitada
e anônima.
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Sem
essa limitação, os investidores estariam sujeitos ao risco de perderem tudo por
conta do insucesso de uma de suas empresas. Atividades econômicas de sucesso
seriam prejudicadas, parcial ou totalmente, pelos reveses das fracassadas, e
isso não é racional.
A
Constituição Federal não poderia dar uma incumbência aos particulares sem
prover os meios adequados para o cumprimento dela. A regra da limitação da
responsabilidade dos sócios na limitada e na anônima é o meio (dado pela lei)
para os particulares poderem atender à incumbência (dada pela Constituição) de
produzir e comercializar bens e serviços de que todos necessitam ou querem. O
fundamento constitucional da limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações
sociais encontra-se, assim, no princípio da liberdade de iniciativa (CF, art.
170, caput).