Este material foi adaptado pelo laboratório de acessibilidade da universidade federal do rio grande do norte, em conformidade com a lei 9.610 de 19/02/1998, capítulo IV, artigo 46. Permitindo o uso apenas para fins educacionais de pessoas com deficiência visual. Não podendo ser reproduzido, modificado e utilizado com fins comerciais.

 

Revisado por: Mariana Julia do Nascimento Pereira.

 

Natal, agosto de 2018.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Teoria geral do direito comercial. In:______. Novo manual de direito comercial: direito de empresa. 29. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. cap. 5, p. 91-102.

 

ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

 

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1. CONCEITO E NATUREZA DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

O complexo de bens reunidos pelo empresário para o desenvol­vimento de sua atividade econômica é o estabelecimento empresarial

Para se entender a natureza desse instituto jurídico é útil so­correr-se de uma analogia com outro conjunto de bens: a biblioteca. Nela, não há apenas livros agrupados ao acaso, mas um conjunto de livros sistematicamente reunidos, dispostos organizadamente, com vistas a um fim - possibilitar o acesso racional a determinado tipo de informação. Uma biblioteca tem o valor comercial superior ao da simples soma dos preços dos livros que a compõem, justamente em razão desse plus, dessa organização racional das informações contidas nos livros nela reunidos.

O estabelecimento empresarial é a reunião dos bens necessários ao desenvolvimento da atividade econômica. Quando o empresário reúne bens de variada natureza, como as mercadorias, máquinas, instalações, tecnologia, prédio etc., em função do exercício de uma atividade, ele agrega a esse conjunto de bens uma organização racio­nal que importará em aumento do seu valor enquanto continuarem reunidos. Alguns usam a expressão “aviamento”, outros falam em “fundo de empresa”, para se referir a esse valor acrescido.

Devido à intangibilidade dessa organização racional que o empresário introduz na utilização dos bens integrantes do estabele­cimento empresarial, e tendo em vista que ela tem valor de mercado, o direito necessita desenvolver mecanismos para tutela desse plus e do valor que ele representa. Cada bem, isoladamente, possui uma proteção jurídica específica (como, por exemplo, os interditos possessórios ou a responsabilização civil e penal por dano patrimonial etc.). Já o estabelecimento empresarial, essa disposição racional dos bens em vista do exercício da atividade econômica, necessita de uma forma própria de proteção. O direito, assim, em geral, deve garantir ajusta retribuição ao empresário quando este perde, por culpa que não e seja imputável, o valor representado pelo estabelecimento empresarial.

 

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Assim, era caso de desapropriação do imóvel em que o empresário mantém o seu estabelecimento empresarial, a indenização correspondente deve compreender o valor do fundo de empresa por ele criado. Na sucessão por morte ou na separação do empresário individual, o estabelecimento empresarial deve ser considerado não apenas pelo valor do simples somatório do preço dos bens, singularmente considerados, que o compõem, mas pelo valor deste agregado ao decorrente da situação peculiar em que se encontram - reunidos para pos­sibilitar o pleno desenvolvimento de uma atividade empresarial.

O estabelecimento empresarial, como um bem do patrimônio do em­presário, não se confunde, assim, com os bens que o compõem. Desta forma, admite-se, até certos limites, que os seus elementos componentes sejam desa­gregados do estabelecimento empresarial, sem que este tenha sequer o seu valor diminuído. Claro está que a desarticulação de todos os bens, a desorganização daquilo que se encontrava organizado, importará desativação do estabeleci­mento empresarial, em sua destruição. Neste caso, perde-se o valor agregado pelo empresário ao dos bens que compunham o estabelecimento empresarial.

Atente-se, no entanto, para a circunstância de que, embora seja resultante da reunião de diversos bens com vistas ao exercício da atividade econômica, o estabelecimento empresarial pode ser descentralizado. O empresário pode abrir filiais, sucursais ou agências, depósitos em prédios isolados, unidades de sua organização administrativas lotadas em locais próprios etc. Cada parcela descentralizada do estabelecimento empresarial pode, ou não, ter um valor independente, em razão de inúmeros condicionantes de fato.

Por vezes, o patrimônio do empresário - principalmente, no caso de so­ciedade empresária - resume-se ao estabelecimento empresarial. Trata-se, no entanto, de institutos jurídicos distintos. Todo estabelecimento empresarial in­tegra o patrimônio de seu titular, mas este não se reduz àquele necessariamente. Os bens de propriedade do empresário, cuja exploração não se relaciona com o desenvolvimento da atividade econômica, integram o seu patrimônio, mas não o estabelecimento empresarial. Além disso, também as obrigações passivas (as dívidas) fazem parte do patrimônio do empresário.

O estabelecimento empresarial é composto por bens corpóreos (mercado­rias, instalações, equipamentos, utensílios, veículos etc.) e incorpóreos (marcas, patentes, direitos, ponto etc.). O direito civil e o penal compreendem normas pertinentes à proteção dos bens corpóreos (proteção possessória, responsabili­dade civil, crime de dano, roubo etc.); o direito industrial tutela a propriedade estabelecimento empresarial da marca, invenções etc.; já a Lei de Locações protege o ponto explorado pelo empresário; a proteção do nome empresarial tem o seu estatuto próprio, e assim por diante. Cada elemento do estabelecimento empresarial tem a sua proteção jurídica específica. O direito comercial tradicionalmente se preocupou com a abordagem apenas da tutela dos bens incorpóreos do estabelecimento empre­sarial, uma vez que do regime dos corpóreos costumam cuidar outros ramos do saber jurídico (direito das coisas e direito penal).

 

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2. ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

O contrato de venda do estabelecimento empresarial denomina-se trespasse.

Por ser bem integrante do patrimônio do empresário, o estabelecimento empresarial, é também garantia dos seus credores. Por esta razão, o trespasse está sujeito à observância de duas formalidades específicas, exigidas por lei para a tutela dos interesses de terceiros.

Em primeiro lugar, o contrato deve ser celebrado por escrito para que possa ser arquivado najunta Comercial e publicado pela imprensa oficial (CC, art. 1.144). Enquanto não providenciadas estas formalidades, a alienação não produzirá efeitos perante terceiros.

A segunda cautela diz respeito aos direitos dos credores do alienante. O empresário tem sobre o estabelecimento empresarial a mesma livre disponi­bilidade que tem sobre os demais bens de seu patrimônio, mas a lei sujeita o trespasse à anuência dos seus credores. Referida anuência pode ser expressa ou tácita, decorrendo esta última modalidade do silêncio do credor após 30 dias da notificação da alienação que o devedor lhe deve endereçar (CC, art. 1.145). Todo empresário deve, ao alienar seu estabelecimento empresarial, colher a concordância por escrito de seus credores, ou fazer a notificação a eles. Há somente uma hipótese de dispensa desta formalidade: se restarem, no património do alienante, bens suficientes para o pagamento de suas dívidas (solvência do passivo).

Se o empresário não observar esta segunda cautela, poderá ter a falência decretada (LF, art. 94, III, c); e, vindo a falir, a alienação será considerada ineficaz, perante a massa falida (art. 129, VI), que poderá reivindicar o estabelecimento empresarial das mãos do adquirente. A rigor, portanto, a anuência dos credores em relação à alienação do estabelecimento empresarial é cautela que interessa mais ao adquirente que propriamente ao alienante.

 

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O passivo regularmente escriturado do alienante transfere-se ao adquirente do estabelecimento empresarial. Diz-se que o adquirente é “sucessor” do alienante. Na hipótese de transferência do estabelecimento, portanto, podem os credores do alienante demandar o adquirente para cobrança de seus créditos. O antigo titular do estabelecimento continuará responsável pelas obrigações apenas durante certo prazo (1 ano, contado da publicação do contrato de alienação, para as obrigações vencidas antes do negócio; e contado da data de vencimento, para as demais).

Podem as partes do contrato de alienação de estabelecimento estipular que o alienante ressarcirá o adquirente, por uma ou mais obrigações, principalmente as que se encontram sub judice. Entre eles, prevalecerá esta estipulação, mas a cláusula de não transferência de passivo não liberará o adquirente perante terceiros. Ele poderá ser demandado pelo credor do alienante por obrigação regularmente escriturada por este. Se for condenado a pagar ao terceiro cre­dor, o adquirente terá o direito de cobrar o alienante em regresso, com base na cláusula de não transferência de passivo que contrataram.

O credor do alienante somente perde o direito de cobrar o crédito do adquirente do estabelecimento se expressamente renunciou a este direito ao anuir com o trespasse.

Está protegido, de modo particular, o credor trabalhista do alienante do estabelecimento empresarial. A lei estabelece a imunidade dos contratos de trabalho em face da mudança na propriedade ou estrutura jurídica da empresa (CLT, art. 448). O empregado, assim, pode escolher entre demandar o adquirente ou o alienante. É certo, também, que enquanto não prescrito o direito trabalhis­ta, o alienante responde, mesmo que já vencido o prazo ânuo do Código Civil.

Também o credor tributário está sujeito a condições específicas, na hipótese de venda do estabelecimento empresarial. Pelo direito tributário, o adquirente tem responsabilidade subsidiária ou integral pelas obrigações fiscais do alienan­te, respectivamente nos casos de este continuar a explorar atividade econômica ou deixar de fazê-lo (CTN, art. 133).

O adquirente não responde, porém, pelas obrigações do alienante (inclusi­ve as de natureza trabalhista e fiscal) se adquiriu o estabelecimento empresarial mediante lance dado em leilão judicial promovido em processo de recuperação judicial ou falência (LF, arts. 60, parágrafo único, e 141, II). Nesse caso, ele não é considerado sucessor do antigo titular do estabelecimento empresarial. Essa regra, que ressalva a responsabilidade do adquirente, é prevista em lei não só como forma de atrair o interesse de potenciais licitantes no leilão como principalmente para proporcionar o mais elevado pagamento por esse ativo do devedor em recuperação ou falido. Por isto, são os credores que acabam beneficiados pela regra da exclusão de sucessão do adquirente nestes casos excepcionais.

 

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Finalmente, lembre-se de que a cláusula de não restabelecimento é im­plícita em qualquer contrato de alienação de estabelecimento empresarial. O alienante não poderá, nos 5 anos subsequentes à transferência, restabelecer-se em idêntico ramo de atividade empresarial, concorrendo com o adquirente, salvo se devidamente autorizado em contrato (Cap. 2, item 2.2).

3.         PROTEÇÃO AO PONTO (LOCAÇÃO EMPRESARIAL)

Dentre os elementos do estabelecimento empresarial, figura o chamado “ponto”, que compreende o local específico em que ele se encontra. Em função do ramo de atividade explorado pelo empresário, a localização do estabelecimen­to empresarial pode importar acréscimo, por vezes substantivo, no seu valor.

Se o empresário se encontra estabelecido em imóvel de sua propriedade, a proteção jurídica deste valor se faz pelas normas ordinárias de tutela da pro­priedade imobiliária do direito civil. Já, se está estabelecido em imóvel alheio, que locou, a proteção jurídica do valor agregado pelo estabelecimento seguirá a disciplina da “locação empresarial”.

No direito brasileiro, há duas grandes espécies de locação predial: a locação residencial e a não residencial. O uso que o locatário está autorizado a impri­mir ao imóvel é o critério de distinção entre essas duas modalidades de regime locatício. Ao locatário da locação residencial não é possível, em regra, explorar qualquer atividade econômica no imóvel objeto de locação; já o locatário da locação não residencial está contratualmente autorizado a explorar atividade econômica no imóvel locado.

Se a locação não residencial atender a certos requisitos, ela será classifica­da como “empresarial”. Neste caso, a lei reconhece ao empresário locatário o direito à renovação compulsória do contrato de locação.

Para que uma locação possa ser considerada empresarial, isto é, para que se submeta ao regime jurídico da renovação compulsória, é necessário que satisfaça os seguintes três requisitos (LL, art. 51):

a)         O locatário deve ser empresário (a lei, anterior ao CC, menciona comerciante ou sociedade civil com fim lucrativo). A lei cogita de atividade industrial também, mas trata-se de redundância, porque esta é uma das espé­cies da atividade empresarial. Por esse requisito, ficam excluídos do regime da locação empresarial os profissionais liberais que individualmente exercem a sua atividade econômica, as associações civis sem fins lucrativos, as fundações etc.

 

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b)         A locação deve ser contratada por tempo determinado de, no mínimo, 5 anos, admitida a soma dos prazos de contratos sucessivamente renovados por acordo amigável. Soma esta, inclusive, que pode ser feita pelo sucessor ou cessionário do locatário (STF, Súmula 482).

c)         O locatário deve-se encontrar na exploração do mesmo ramo de atividade econômica pelo prazo mínimo e ininterrupto de 3 anos, à data da propositura da ação renovatória. Requisito que a lei cria tendo em vista a necessidade de um tempo de estabelecimento em certo ponto para que este agregue valor mi­nimamente apreciável à empresa lá explorada.

Assim, a lei reconhece ao locatário empresário que explore o mesmo ramo de empresa, há pelo menos 3 anos ininterruptos, em imóvel locado por prazo determinado não inferior a 5 anos, o direito à renovação compulsória de seu contrato de locação. Tutela-se o valor agregado ao estabelecimento pelo uso de um mesmo ponto durante certo lapso temporal. Chama-se esta tutela de garantia de inerência no ponto, ou seja, ampara-se o interesse do empresário de continuar estabelecido naquele imóvel que locou.

O exercício desse direito se faz por uma ação judicial própria, denominada “renovatória”, que deve ser proposta no prazo entre 1 ano e 6 meses anterio­res ao término do contrato a renovar, sob pena de decadência do direito (LL, art. 51, § 5.°).

O direito de inerência do locatário, no entanto, é relativo, já que a legisla­ção ordinária não pode reconhecê-lo em detrimento do direito de propriedade do locador. Este tem fundamento constitucional e, portanto, eventual lei que criasse o direito à renovação compulsória do contrato de locação, desconside­rando o direito de uso, gozo e disposição sobre o bem de que é titular o locador, seria um diploma inconstitucional. O direito que se concede ao empresário no sentido de garantir-lhe a continuidade da exploração de um imóvel locado não pode importar o aniquilamento do direito de propriedade que o locador exerce sobre o bem. Por esta razão, quando a renovação compulsória do contrato de locação for incompatível com a proteção jurídica da propriedade, em virtude do fundamento constitucional desta última contraposta ao fundamento de lei ordinária daquela, prevalecerá a tutela aos interesses do locador, devendo o locatário entregar o imóvel.

É a própria lei que define os casos em que o direito à renovação compulsória será ineficaz, em face da tutela do direito de propriedade. Trata-se de elenco legal meramente exemplificativo, porque a inoperância do direito à renovação, nesses casos, decorre das disposições constitucionais. Sempre que o direito de propriedade for desprestigiado em decorrência da renovação da relação locatícia, esta não poderá ocorrer, mesmo que inexista específica previsão legal, pois a tutela do direito do locador no tocante à exceção de retomada deflui diretamente da Constituição.

 

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O locatário que não puder exercer o seu direito de inerência, em virtude de exceção de retomada, deverá ser, em determinadas hipóteses, indenizado pelo valor que acresceu ao bem.

São os seguintes os fatos referidos em lei ordinária que autorizam a “exceção de retomada” e as hipóteses em que o locatário será indenizado:

a)         Insuficiência da proposta de renovação apresentada pelo locatário (LL, art. 72,11). Em sua ação renovatória, deverá o empresário apresentar uma pro­posta de novo aluguel. Se o valor locatício de mercado do imóvel for superior, a renovação do contrato pelo aluguel proposto importaria em desconsideração do direito de propriedade do locador. Por essa razão, se não melhorar o locatário a sua proposta, a locação não será renovada. Algumas decisões judiciais têm determinado a renovação pelo valor de aluguel apurado em perícia, compati­bilizando-se dessa forma os interesses das partes.

b)         Proposta melhor de terceiro (LL, art. 72, III). Se o locatário oferece novo aluguel compatível com o mercado, mas o locador possui proposta melhor de outra pessoa, a renovação acarretaria ofensa ao seu direito de propriedade. Assim sendo, a menos que o locatário concorde em pagar o equivalente ao ofertado pelo terceiro, a locação não será renovada.

c)         Reforma substancial no prédio locado (LL, ar t. 5 2,1). Se o Poder Público obriga o locador a introduzir reformas no imóvel ou se o proprietário mesmo quer reformá-lo, para valorização do seu patrimônio, então o locatário não terá reconhecido o seu direito de inerência ao ponto. Nessa hipótese, será devida a indenização se o início das obras retardar por mais de 3 meses contados da desocupação.

d)         Uso próprio (LL, art. 52, II). O proprietário pode querer utilizar o imóvel, seja para finalidades econômicas ou não. A lei restringe essa exceção, vedando-a no caso de pretender o locador explorar no prédio a mesma atividade explorada pelo locatário, mas essa limitação é inconstitucional, incompatível com o direito de propriedade. Assim, o locador pode, em qualquer caso, pre­tender a retomada para uso próprio, ainda que o seu objetivo seja o de competir com o locatário. Claro que, assim sendo, será devida indenização pela perda do ponto, para que não se caracterize o enriquecimento indevido do locador. Note, aqui, a situação específica da chamada “locação-gerência”, hipótese em que a locação compreende não somente o imóvel, como também um estabe­lecimento empresarial nele já instalado pelo locador. Neste caso, a exceção de retomada não é decorrência apenas da proteção constitucional ao direito de propriedade. Ela se justifica também por não ter sido o locatário que agregou o valor ao ponto comercial. Na locação-gerência, ademais, não cabe indenização ao locatário em razão da retomada, exatamente porque o ponto de referência dos consumidores foi constituído pelo locador antes da locação.

 

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e) Transferência de estabelecimento empresarial existente há mais de 1 ano e titularizado por ascendente, descendente ou cônjuge (ou sociedade por eles controlada), desde que atue em ramo diverso do locatário (LL, art. 52, II). Terá este direito à indenização apenas se, a despeito da restrição legal, o novo usuário do prédio explorar atividade igual ou semelhante à sua, ou, entendo, se não se realizar o uso nas condições alegadas que impediram a renovação (se o imóvel é locado a terceiros, p. ex.).

4.         SHOPPING CENTER

O empresário que se dedica ao ramo dos shopping centers exerce uma atividade econômica peculiar, pois não se limita a simplesmente manter um espaço apropriado à concentração de outros empresários atuantes em variados ramos de comércio ou serviço. A sua atividade não se resume à locação de lojas aleatoriamente reunidas em um mesmo local. Ele não é um empreendedor imobiliário comum.

O que distingue o empresário do shopping center dos empreendedores imobiliários em geral é a organização da distribuição da oferta de produtos e serviços centralizados em seu complexo (o tenant mix). A ideia básica do negócio é pôr à disposição dos consumidores, em um mesmo local, de cômodo acesso e seguro, a mais ampla gama de produtos e serviços. Em outros termos, deve haver um planejamento da distribuição da oferta, uma relativa organização da competição interna. Assim, as locações dos espaços devem atender às múltiplas necessidades do consumidor, de sorte que não faltem certos tipos de serviço (banco, correio, cinema, lazer etc.) ou de comércio (restaurante, papelaria, farmácia etc.), mesmo se houver uma atividade central desenvolvida pelo sho­pping center (moda, decoração, material de construção etc.).

Um mero empreendedor imobiliário apenas loca os seus prédios comer­ciais a quem se propuser a pagar o aluguel que ele considera adequado. A sua preocupação volta-se unicamente ao valor locatício de mercado do seu imóvel e à solvência do locatário.

 

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Um empreendedor de shopping center, por sua vez, organiza o tenant mix, isto é, fica atento às evoluções do mercado consumidor, à ascensão ou decadência das marcas, às novidades tecnológicas e de marketing, bem como ao potencial econômico de cada empresário instalado no seu com­plexo. Tudo isso com o objetivo de atrair o consumidor. Se ele descuidar-se da organização da distribuição dos produtos e serviços abrigados no seu empreen­dimento , poderá perder valiosos pontos na competição entre os shoppingcenters.

Em razão dessas particularidades, discute-se muito sobre a tutela do inte­resse de inerência ao ponto dos locatários de espaços em shopping. A dinâmica característica desse tipo de empreendimento, em certas ocasiões, revela-se in­compatível coma eterna permanência de alguns empresários. Se, por exemplo, determinada marca de produtos de perfumaria tem recebido uma aceitação entre os consumidores maior que outra, o shopping center com espaço locado pelo titular da marca em decadência tem interesse, partilhado por todos os demais locatários, em substituí-lo pelo titular da que está em ascensão. A lei reconhece o direito de inerência ao ponto aos locatários de espaços em shopping centers (LL, art. 52, § 2.°), mas, em determinadas situações, a renovação compulsória do contrato de locação pode representar entrave ao pleno desenvolvimento do complexo. Atentos a essa circunstância e meditando sobre a intrincada relação jurídica que se estabelece entre o empreendedor do shopping e o lojista, muitos autores procuraram discutir se a sua natureza seria, mesmo, a de uma locação. Propuseram classificá-lo como contrato atípico misto (Orlando Gomes), uma coligação de contratos (Requião) ou mesmo um negócio jurídico diverso do de locação, chamado “contrato de estabelecimento” (Buzaid) ou de “centro comercial” (Villaça Azevedo).

O entendimento mais adequado, contudo, parece ser o do reconhecimento de aspectos bastante específicos na relação contratual em questão, mas não a ponto de descaracterizar a sua natureza locatícia (Carvalhosa, Caio Mário, Wa­shington). E, neste sentido, o direito de inerência do lojista não pode implicar o esvaziamento do direito de propriedade do empreendedor do shopping. Se ficar provado que este último não consegue organizar plenamente o tenant mix na hipótese de acolhimento da ação renovatória, então esta deve ser rejeitada para efetiva tutela constitucional do direito de propriedade. Nessa equação, nenhuma especificidade se nota quanto ao contrato de locação entre o empre­endedor de shopping e o lojista, posto que, conforme assinalado anteriormente, sempre que o reconhecimento do direito de inerência do locatário, na locação empresarial, redundar em desrespeito ao direito constitucional de propriedade do locador, deve-se prestigiar este último.

 

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O contrato de locação de espaço em shopping center costuma contemplar um aluguel com características bastante peculiares, desdobrado em parcelas fixas, reajustáveis de acordo com o índice e a periodicidade definidos no ins­trumento contratual, e em parcelas variáveis, geralmente um percentual do faturamento obtido pelo locatário no estabelecimento locado. Para mensurar o valor da parcela variável do aluguel, o locador pode auditar as contas do locatário, bem como vistoriar suas instalações ou fiscalizar o seu movimento econômico. Além do aluguel, há outras obrigações pecuniárias assumidas pelo locatário de loja em shopping center. Em geral, paga-se uma prestação conhecida por res sperata, retributiva das vantagens de se estabelecer em um complexo comercial que já possui clientela própria. Deve o locatário também filiar-se à associação dos lojistas, pagando a mensalidade correspondente. Esta associação suporta as despesas de interesse comum, como as de publicidade em certas épocas ao ano (Natal, Dia das Mães etc.). É usual também a cobrança do aluguel em dobro no mês de dezembro, em decorrência do extraordinário movimento econômico que se costuma verificar nesse mês. Estes e outros encargos podem ser livremente pactuados, prevendo a lei apenas a proibição de cobrança de despesas extraordinárias de condomínio e os gastos com obras ou substituição de equipamentos modificativos do projeto originário, bem como as despesas não previstas em orçamento prévio (LL, art. 54, §§ l.° e 2.°).

Há, por fim, um modo de ocupação de estabelecimentos comerciais, que guarda semelhança com os shopping centers em seu aspecto externo, isto é, enquanto espaço de concentração de diferentes empresários. São os outlet centers, estabelecimentos em que os próprios fabricantes, grandes distribuidores e, por vezes, alguns varejistas instalam-se em pequenos stands, para a venda de seus produtos por preços atrativos, com vistas a propiciar o escoamento de estoque. A locação desses espaços é feita, em geral, por curtíssimo prazo, e os locatários assumem obrigação contratual de praticar preços inferiores aos de mercado.

 

5.         PROTEÇÃO AO TÍTULO DE ESTABELECIMENTO

O elemento de identificação do estabelecimento empresarial não se confun­de com o nome empresarial, que identifica o sujeito de direito empresário, nem com a marca, identidade de produto. Não se confundem estes três elementos de identificação disciplinados no direito comercial, recebendo da lei, cada um deles, uma proteção específica. Comum aos três regimes protetivos é o direito à utilização exclusiva da identidade.

 

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O título de estabelecimento não precisa, necessariamente, compor-se dos mesmos elementos linguísticos presentes no nome empresarial e na marca. Uma sociedade empresária pode chamar-se “Comércio Silva Ltda.”, ser titular da marca “Alvorada” e seu estabelecimento denominar-se “Loja da Esquina”. Terá ela direito de uso exclusivo das três diferentes expressões, observadas as peculiaridades da proteção jurídica deferida a cada uma delas.

A proteção do título de estabelecimento se faz, atualmente, por regras de responsabilidade civil e penal, caso se caracterize a concorrência desleal (LPI, arts. 195, V, e 209). O empresário que imitar ou utilizar o título de estabeleci­mento que outro havia adotado anteriormente deve indenizar este último pelo desvio eficaz de clientela.

6.         COMÉRCIO ELETRÔNICO (INTERNET)

A rede mundial de computadores (internet) tem sido largamente utilizada para a realização de negócios. No início, para facilitar a compreensão da novida­de, sugeriu-se que ela teria criado um novo tipo de estabelecimento, o virtual. Um estabelecimento acessível exclusivamente por transmissão eletrônica de dados (enquanto o estabelecimento físico se acessa pelo deslocamento no espaço). Atualmente, com a difusão do comércio eletrônico, o paralelo não é mais significativo. A internet é vista, hoje, não mais como um estabelecimento virtual, mas como um canal de negócios (compras, vendas, prestação de serviços) específico.

Comércio eletrônico, assim, significa os atos de circulação de bens, pres­tação ou intermediação de serviços em que as tratativas pré-contratuais e a celebração do contrato se fazem por transmissão e recebimento de dados por via eletrônica, normalmente no ambiente da internet.

São três os tipos de comércio eletrônico: B2B (que deriva da expressão business to business), em que os intemau tas compradores são também empresá­rios, e se destinam a negociar insumos; B2C (denominação derivada de business to consumer), em que os internautas são consumidores, na acepção legal do termo (CDC, art. 2.°); e C2C (consumer to consumer), em que os negócios são feitos entre internautas não empresários, cumprindo o empresário titular do site apenas funções de intermediação.

Os contratos celebrados via página B2B regem-se pelas normas do direito comercial. Os celebrados via página B2C, pelo direito do consumidor. No caso da página C2C, as relações entre o empresário titular do estabelecimento virtual e os internautas regem-se também pelo direito do consumidor, mas o contrato celebrado entre esses últimos está sujeito ao regime contratual de direito civil (ver Cap. 8, item 3).

 

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Os canais de venda na internet possuem sempre um endereço eletrônico, que é o seu nome de domínio, O da livraria RT, por exemplo, é: [www.livrariart.com.br].

O nome de domínio cumpre duas funções. A primeira é técnica: propor­ciona a interconexão dos equipamentos. Por meio do endereço eletrônico, o computador do comprador põe-se em rede com os equipamentos que geram a página do vendedor. Â segunda função tem sentido jurídico: identifica o ca­nal de venda de determinado empresário na rede mundial de computadores. Cumpre, assim, em relação à página acessível via internet, igual função à do título de estabelecimento em relação ao ponto.

Os nomes de domínio, desde dezembro de 2005, são registrados, no Brasil, pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NlC.br), uma asso­ciação civil de direito privado sem fins econômicos.